SINAL - Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central
Consumidor sofre nas mãos do SPC e da Serasa
Quinze anos depois de aprovado o Código do Consumidor, as "centrais de informação do crédito" continuam cometendo abusos. O governo quer uma nova regulamentação para o setor, mas a proposta que pretende apresentar traz poucos avançosConsumidor sofre nas mãos do SPC e da Serasa
Cadastro dos bons pagadores
Os 15 anos do Código de Defesa do Consumidor, festejados em março, foram saudados pelo governo como um sinal do amadurecimento da noção de cidadania na sociedade. Não se pode negar que houve avanços, mas a atuação do Estado ainda deixa muito a desejar. No que diz respeito aos birôs de proteção ao crédito, a omissão oficial acontece em várias frentes.
Na Câmara dos Deputados, por exemplo, a CPI da Serasa acabou em pizza. A empresa, a maior do Brasil entre os birôs privados de proteção ao crédito, ficou bastante conhecida na década de 90. Na época, a explosão de inadimplência provocada pelo Plano Real revelou, com mais clareza, até que ponto chegavam os abusos cometidos na manutenção dos cadastros de inadimplentes. O crescimento das denúncias levou a Câmara a abrir a CPI da Serasa, em março de 2001. Com muito estardalhaço, como sempre acontece em se tratando de uma CPI.
A Serasa não era a única do setor a cometer infrações, evidentemente. Ninguém desconhecia sua força – a empresa tem como acionistas os maiores bancos nacionais. Mas esperava-se, ao menos, que os debates abrissem espaço para uma proposta de regulamentação do setor. Não foi o que aconteceu. O encerramento da CPI, em novembro de 2003, foi melancólico. O relatório final ignorou as irregularidades apontadas por vários deputados e limitou-se a propor sugestões genéricas para o aperfeiçoamento do sistema.
Os efeitos da inclusão do nome de uma pessoa no cadastro do SPC podem ser semelhantes ao de um protesto de título. Em pouco tempo, a vida do consumidor vira um inferno. Bancos e lojas de crediário são os primeiros que lhe fecham as portas. Mas isso é só o começo. Se estiver sendo selecionado para um emprego, é bem provável que perca a vaga. Seu nome também pode ser recusado no serviço público. E ainda terá enormes dificuldades para conseguir um dos financiamentos que o governo oferece para a população de baixa renda. Tudo porque as empresas consultam o famigerado cadastro de inadimplentes para decidir a vida do cidadão.
O uso desse cadastro para definir ou não a contratação de um candidato talvez seja a maior crueldade. Afinal, a maioria das pessoas que não honram suas dívidas o faz justamente porque perdeu o emprego. Na tentativa de reverter a situação, muitos se tornam vítimas de um círculo vicioso. Querem "limpar" o seu nome na praça, mas o mercado lhes nega uma nova chance. Continuam, por conta disso, na lista amaldiçoada. Até que consigam vaga em uma empresa que não considere a inadimplência um crime.
Na prática, os serviços de proteção ao crédito – que o BC, acertadamente, chama de "centrais de informação de crédito" – são estruturas de coerção da cidadania do consumidor. Além de divulgar informações colhidas com metodologia duvidosa e pouco transparente, o sistema tem muitas falhas. É comum o consumidor ser inscrito no cadastro sem que tenha sido avisado em tempo hábil. A inclusão por equívoco também acontece com alguma freqüência. Se não bastasse, a demora na suspensão ou exclusão do registro parece ser a tônica dos SPCs.
Abusos sem punição
Nova regulamentação ainda em 2005
(Central de Risco do BC)
No caso específico da Serasa, o problema se agrava porque o Banco Central se recusa a fiscalizar suas atividades. Durante a CPI da Serasa, o ex-presidente Armínio Fraga afirmou que o BC não pode fiscalizar a empresa porque ela não é uma instituição financeira. Fraga disse ainda que o BC também não tem competência para fiscalizar a Febraban (Federação Brasileira de Bancos) porque é uma associação. Sendo assim, não seria melhor suprimir da Constituição a competência do Banco Central para executar a supervisão bancária?
É claro que o "x" dessa questão é político. Mas existe, é verdade, um aspecto jurídico que favorece o raciocínio de Fraga. A Lei 4.595/64, que criou o Banco Central, não inseriu a fiscalização dos birôs de crédito entre as atribuições da autarquia. Atento a isso, o deputado Chico Alencar (PT-RJ) defende a ampliação das competências do BC para que a instituição também possa atuar nessa área. No entanto, Chico quer que o BC assuma apenas a responsabilidade de autorizar e regulamentar o funcionamento dos birôs de crédito. A fiscalização dessas entidades seria exercida pelos órgãos públicos de defesa do consumidor.
Seria o melhor dos mundos: um BC mais forte para regular os birôs de crédito, mas deixando a fiscalização a cargo dos Procons. É uma idéia análoga àquela que o governo pretende aplicar na defesa da concorrência bancária. O Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) vai fiscalizar a conduta bancária, mas o BC manterá a prerrogativa de decidir sobre a fusão de bancos que possam pôr em risco o bom funcionamento do sistema financeiro.
"Precisamos criar uma nova cultura de crédito no Brasil e retirar o argumento das instituições bancárias para
a manutenção de altos spreads."
a manutenção de altos spreads."
Cornélio Pimentel
A proposta de Chico Alencar, assim como outras tantas que pretendem impor algum controle sobre os birôs de crédito, continua mofando nos escaninhos do Congresso. Mas a discussão do tema vai voltar, em breve, porque o Executivo resolveu legislar sobre o mesmo assunto. Recentemente, o secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Marcos Lisboa, anunciou que o governo quer aprovar nova regulamentação para os birôs de crédito. Ainda em 2005.
A perspectiva do projeto do governo, no entanto, é bem diferente. O texto elaborado pela Fazenda preocupa-se, até certo ponto, com o uso que os birôs fazem das informações. Mas a meta principal não é ampliar os direitos do consumidor. A equipe econômica quer um novo ordenamento jurídico no setor que ajude a elevar o volume de crédito.
Volta e meia, Lula aborda o assunto. Ele quer alternativas para reduzir o spread bancário – a taxa de juros que o sistema financeiro cobra pelas operações de crédito. Esta taxa é afetada por quatro itens: o custo de captação do dinheiro, as despesas operacionais dos bancos, suas margens de lucro e o custo da inadimplência. O custo de captação é alto porque, para financiar seu déficit, o governo toma emprestado no mercado quase todos os recursos disponíveis para empréstimos. Como não há sinais de diminuição deste déficit no curto prazo, é pouco provável que o BC faça uma redução na taxa básica de juros capaz de produzir uma queda sensível no spread.
Mexer nas margens de lucro dos bancos, que respondem por 40% da composição do spread, parece impensável. Nenhum governo até hoje teve coragem de tomar uma atitude dessas. Em função desse cenário, o Executivo escolheu a solução menos conflituosa, que consiste em aumentar o volume do crédito através da redução do custo da inadimplência dos devedores. Segundo estatísticas do Banco Central, o índice de inadimplência participa com 17% na composição do spread.
Ao optar por esse caminho, a Fazenda se deparou com outro problema. Um estudo feito pelo BC em 1999, e endossado pelo atual governo, concluiu que os bancos não dispõem de meios para identificar os bons pagadores. É uma avaliação bastante questionável, porque todo banco sabe direitinho quem paga em dia ou não. Seja como for, o governo quer aplicar nos birôs de crédito a mesma lógica adotada na nova Lei de Falências, que promete diminuir o risco de crédito através da oferta de instrumentos mais ágeis para a cobrança e execução de dívidas.
No caso dos birôs, a redução da inadimplência depende da modernização do setor. Essa modernização, por sua vez, implica regulamentar uma ferramenta que informe às financeiras em quais situações o empréstimo apresenta menos riscos.
Privacidade do
Um cadastro positivo que manipule tamanha quantidade de informações pode ser mais uma forma de espionar a vida do cidadão. O promotor Leonardo Bessa considera o tema bastante delicado. O Banco Central alega que a privacidade é preservada, pois exige que a instituição financeira possua autorização expressa do cliente para consultar as informações que lhe dizem respeito.
Bessa assegura que isso está longe de ser verdade. Segundo ele, o consentimento do consumidor é obtido por meio de cláusulas escondidas nos contratos de adesão (seja para empréstimo, seja para abertura de conta corrente). "Nenhuma explicação é oferecida ao consumidor sobre a utilidade dos seus dados pessoais serem tratados pela Central de Risco", critica o promotor.
Na verdade, a posição do Banco Central quanto à privacidade dos cidadãos é, no mínimo, contraditória. Em estudo disponível no seu site, o BC mostra, com orgulho, que as centrais de crédito brasileiras são as mais eficientes da América Latina (depois das americanas). Mas, ao fazer o comparativo com as centrais européias, bem menos "eficientes" que as nossas, o BC explica o fato em razão da forte regulamentação existente na Europa e da rigorosa proteção da privacidade do consumidor.
No Velho Mundo, não existe uma legislação específica para bancos de dados de proteção ao crédito. Em vez disso, há uma lei geral que protege o indivíduo em relação a qualquer conjunto de informações sobre ele organizadas em qualquer entidade. Há também uma agência reguladora do poder público, com absoluta independência, e com certo poder de polícia sobre todos os bancos de dados.
"Esta é a questão fundamental", na visão do promotor Leonardo Bessa. O projeto do governo para os birôs de crédito não se preocupa em definir quem deve ter o poder de polícia diante dos SPCs. Mas se o Brasil não enfrentar a questão, o comércio com a União Européia poderá sofrer sérias restrições a médio prazo. De acordo com Bessa, a Argentina saiu na frente nesse debate. Não só elaborou uma lei nos moldes do modelo europeu, como também vem insistindo para que os países que compõem o Mercosul tenham uma legislação comum nessa área.
É bom que o Ministério da Fazenda pense nessa questão antes de enviar ao Congresso a nova regulamentação dos serviços de proteção ao crédito. Aliás, o governo às vezes passa a impressão de que deseja inventar a roda. Se desse mais atenção às iniciativas da sua própria base aliada, teria à sua disposição muitas propostas interessantes.
cidadão em risco A deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC), uma das mais ativas durante a CPI da Serasa, é autora de um dos projetos mais abrangentes para o setor. Além de sugerir a criação de uma agência reguladora para fiscalizar a atuação dos SPCs, Perpétua se preocupou em preservar ao máximo a privacidade do consumidor. Ela sugere, por exemplo, que os cadastros positivos e negativos sejam totalmente independentes, para evitar os efeitos danosos do cruzamento de informações dos dois sistemas.
O projeto do governo não toca no assunto.
Como funciona o sistema no Brasil
Os serviços de proteção ao crédito surgiram na década de 50. Até então, o próprio lojista se encarregava de conseguir referências sobre o consumidor que desejava fazer uma compra parcelada. Com o aumento das vendas a crédito, percebeu-se que esta tarefa seria mais ágil se exercida por entidade voltada exclusivamente para esse fim. Este foi o motivo que levou a Câmara de Diretores Lojistas de Porto Alegre a fundar o primeiro Serviço de Proteção ao Crédito, em julho de 1955.
A idéia foi copiada no Brasil inteiro pelas associações comerciais dos municípios. Hoje, o SPC é uma rede nacional com 950 Câmaras de Dirigentes Lojistas interconectadas. Com 140 milhões de cadastros de pessoas físicas e 16 milhões de pessoas jurídicas, é o maior banco de dados eletrônico do país para análise de crédito. Segundo informações do SPC Brasil da Confederação Nacional dos Diretores Lojistas, o sistema é acessado diretamente por mais de 1,5 milhão de operadores, que representam 550 mil empresas. A média de atendimento mensal é de 16 milhões de consultas.
Neste nicho de mercado, destaca-se a Serasa (Centralização de Serviços dos Bancos S. A.). Criada em 1968 por três dos maiores bancos nacionais, a Serasa de hoje tem como acionistas todos os bancos de médio e de grande porte. Seus produtos podem ser divididos em dois grupos. Os bancos de dados, propriamente ditos, e as ferramentas de troca de informações. Estas realizam a constante alimentação e atualização dos bancos de dados e permitem o intercâmbio entre o birô e seus clientes. Segundo dados da própria empresa, a Serasa fornece 3 milhões de consultas por dia. Seu número de clientes diretos e indiretos ultrapassa 300 mil.
Cadastros públicos
O mais conhecido é o Cadastro de Emitentes de Cheques sem Fundo (CCF), do Banco Central. A autarquia também é responsável pelo Sistema de Informações de Crédito (SCR), o maior cadastro brasileiro baseado em informações positivas. Seu banco de dados é alimentado mensalmente pelas instituições financeiras, mediante a coleta de informações sobre a situação das operações de crédito existentes no fim do mês.
Apesar de o fechamento da coleta ocorrer no dia 30 de cada mês, o SCR só recebe esses dados no dia 20 do mês seguinte. Isso gera algumas distorções.
Um consumidor que tenha pago no dia 1º de abril uma conta vencida no dia 30 de março permanece na lista de inadimplentes do SCR até o dia 20 de maio, data em que o BC recebe dos bancos a posição das operações registradas no fim de abril. Este exemplo mostra que o consumidor, mesmo com o cadastro positivo, continua sendo prejudicado injustamente.
O SPC da União
Os devedores do governo federal são listados no Cadim, o Cadastro de Inadimplentes da União. Podem ser inscritos no Cadim tanto uma pessoa física que esteja em atraso com o Imposto de Renda quanto uma prefeitura ou governo estadual.
Em 2003, a governadora Rosinha Garotinho enfrentou algumas dificuldades para receber do Ministério da Justiça os recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública. Na época, o Rio estava inscrito no Cadim por não ter honrado compromissos financeiros com os Ministérios da Fazenda e da Cultura e com o BNDES. O problema foi resolvido graças ao acordo do ministro da Fazenda, Antônio Palocci, com o então secretário de Segurança do Rio, Anthony Garotinho. O próprio Palocci emitiu um certificado de adimplência para o Rio.
A "ferramenta" em questão é o cadastro positivo. Ela recebeu esse nome em oposição ao modelo vigente. Hoje, a maioria dos serviços de proteção ao crédito opera apenas com informações "negativas" – dívidas vencidas e não pagas. São cadastros restritivos, nos quais só há registros que depreciam o consumidor. O cadastro positivo, que o governo quer regulamentar, vai na direção oposta. Seu objetivo: traçar o perfil do consumidor a partir de todas as contas pagas em um determinado período (não previsto no projeto do governo). Se durante um ano, por exemplo, o indivíduo honrar todos os seus compromissos, será considerado um bom pagador. Alguém que oferece menos riscos. Como recompensa, poderá obter crédito com taxas menores.
"Precisamos criar uma nova cultura de crédito no Brasil e retirar o argumento das instituições bancárias para a manutenção de altos spreads." É o que defende Cornélio Pimentel, chefe do Departamento de Supervisão Indireta do Banco Central. Pimentel está à frente da Central de Risco do BC, o único cadastro positivo regulamentado no país. Não por uma lei específica, mas pela Resolução Interna 2724/00.
Criada em 1997, a Central de Risco também armazena as dívidas vencidas, mas a preocupação maior é registrar os compromissos que estão sendo honrados. Desta forma, o agente financeiro certifica-se de que o endividamento total da pessoa ou empresa é compatível com sua capacidade de pagamento, não havendo risco de inadimplência. Há, contudo, um limite. Em função do gigantesco volume de informações, só constam na Central de Risco pessoas ou empresas que têm dívidas acima de R$ 5 mil. É, portanto, um serviço que abrange apenas a classe alta e uma parcela da classe média.
O governo quer levar o modelo da Central de Risco para os serviços privados de proteção ao crédito. O promotor de Justiça Leonardo Bessa tem sérias dúvidas a respeito. Representante do Ministério Público do Consumidor nas discussões com o governo sobre o novo projeto, Bessa afirma que a Central de Risco do BC ainda não produziu os resultados que se esperava. "Não se tem notícia de um único caso em que o consumidor tenha efetivamente se beneficiado da tão alardeada taxa de juros menor em razão de um bom histórico de crédito", desafia.
O Banco Central tem suas justificativas para o fato. Até o ano passado, os dados disponíveis na Central de Risco limitavam-se a mostrar o total de empréstimo tomado no sistema financeiro e o nome das instituições que concederam o crédito. Com esses dados, era possível identificar apenas os clientes que estavam altamente endividados e que poderiam oferecer algum risco. Segundo os bancos, essas informações eram insuficientes para uma avaliação positiva dos clientes.
Em junho de 2004, o BC inaugurou a nova Central de Risco, que passou a se chamar Sistema de Informações de Crédito. Desde então, o Sistema inscreve nos seus cadastros informações sobre o tipo e o prazo do empréstimo, garantias, indexador e até a taxa do contrato. Também estão incluídos no "pacote" as dívidas no cheque especial, as operações de crédito direto ao consumidor e, principalmente, o histórico de pagamento nos últimos 12 meses. Vânio Aguiar, um dos responsáveis pela modernização da Central de Risco, acredita que essa massa de informações permitirá uma diferenciação clara entre o bom e o mau pagador. "É bem diferente uma pessoa que deve R$ 50 mil numa operação de financiamento habitacional, que é de longo prazo, de outra que deve R$ 20 mil no curto prazo", avalia.
(Central de Risco do BC)
Parceria para fiscalizar
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